São três patinhos

abril 08, 2019


São três patinhos no rio a passear.
Vamos chamar-lhes Dedicação, Perseverança e Medo, sem apelido, da direita para a esquerda.
Era relativamente nova quando os conheci, tomei-lhes o peso e medida e coloquei-os por ordem.
Esta ordem, que nem sempre teve o mesmo sentido de leitura, foi ficando clara com o passar dos anos.
Estes patinhos cresceram cada um com a sua forma de ser, do mais expansivo ao mais tímido, afirmaram-se e mantiveram-se juntos como quem sabe viver sozinho mas prefere viver com companhia.
Sempre senti uma enorme descrença neste trio mas sabia que sem eles não iria longe porque eles fazem tão parte de mim como os seus reflexos.
Trouxe-os comigo para casa no dia em que abandonei o meu trabalho dos infernos. Sentei-os à mesa e tive uma conversa séria com eles, vi-lhes o reflexo durante muito tempo, tempo suficiente para os tratar pelo nome, nessa altura, chamei-lhes Procrastinação, Inconstância e Coragem, precisámos de nos conhecer melhor, precisei de lhes encher o papo e de os deixar grasnar, alto, muito alto, até os deixar de ouvir, até os deixar de ver, até que deixassem de dar às patinhas neste rio de esperança e os reflexos se fundirem com o ser.
Nesse dia foi difícil perceber o tempo que perdi, foi difícil suportar o peso da culpa do meu próprio estrago em mim mesma.
Porém, o rio nunca pára, a corrente tudo leva, levou a mágoa, a incerteza e indevida importância que estava a dar ao que nenhuma importância tinha.
Tinha falhado onde tinha prometido nunca mais vir a falhar. Mas falhei, falhei comigo mesma em prol de outros e de outras coisas sem sentido.
Deixei que se aproximassem e eles vieram, com aquele andar rebolante e cómico de quem se borrifa para o que os outros pensam de si, porque são felizes e isso é que importa.
A Dedicação é a mais forte de todos, tem nela uma coragem única, estranha, não desiste mesmo quando todos lhe dizem que aquele não é caminho e leva sempre a Perseverança com ela, quase que parecem sombra uma da outra, separadas são avassaladoras mas juntas, juntas são implacáveis, por vezes chamam-lhe teimosia, muitos dizem que são convencidas e que não têm um pingo de humildade. Elas?
Elas continuam o desfile de penas lustrosas, peito feito, e seguem caminho, com o Medo ali a uma distância aprazível para todos.
Não vivem sem ele, na verdade estou convencida de que precisam dele quanto mais não seja para fechar o desfile e as ir empurrando num jogo de toca e foge durante a marcha semiaquática que é a vida destes 3.
As gaivotas?
Oh, essas estarão lá sempre, com aquele olhar desconfiado do sucesso alheio.
Como boas alcoviteiras de bancada, estão sempre prontas para desdenhar no sucesso deles. Largam grandes elogios e perguntas mil, mas depois ficam ao largo à espera a cãibra que ditará o afogamento prematuro no rio de inveja.
Esquecem que nadam contra a corrente e que o rio é cármico.
Estes três patinhos viram-me tantas vezes que se dirigem a mim sempre que apareço, não fogem de mim e eu gosto deles.
Às gaivotas?!
Beijinhos de ombro e afagos nas penas porque nunca se deve dar o que não queremos receber mesmo quando os outros merecem tudo aquilo que nunca lhes iremos dar.

A Dedicação é minha.

A Perseverança é minha.

O Medo é meu.

E eu faço dos patinhos o que eu quiser!



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