OUVIR COM SOM

Não sou a pessoa de aflorar as tristezas.

Não sou, apesar de saber que por vezes teria a vida muito mais facilitada, a pessoa que mascara a dureza dos sentimentos para que lhe custe menos a perda.

Ainda assim, não sei bem porquê nem como ou de onde, ela cria o seu próprio mundo real e fantasioso ao mesmo tempo e na medida que a mim me parece certa.

Não sou ninguém para lhe dizer que não é certo que assim seja, o nosso plano como pais é dar-lhe as ferramentas necessárias para que ela saiba construir o seu forte.

Isto, aconteceu na semana passada, já de luzes apagadas e a olhar para o tecto do quarto dela onde esta mãe colou 1000 e tal "estrelas". 

Se lhe perguntar amanhã qual é a estrela do Miu ela sabe dizer qual é e é sempre a mesma.

Comovo-me de todas as vezes que ela me diz qual é a dos meus avós.

Ela nunca conheceu o meu avô mas foi a primeira estrela que teve nome logo depois da do Miu.

O Miu foi a primeira perda dela, a que ela sentiu.

O Bivô Maximino é uma das minhas maiores.

Para ela não há diferença entre se ser um animal ou um humano. Isto é só bonito.

Para ela conviver com estas ausências é normal, pode não ser o mais doce dos sentimentos mas já está na fase em que nos diz "lembras quando o Miu fez...". Eles têm a forma deles de lidar com isto, nós só temos que os deixar fazer como sentem que tem de ser feito.

Eu não lhe digo que é uma parvoíce achar que nos transformamos em estrelas no céu.

Ela sabe bem que eu não vou nessa mas não tem vergonha de me explicar a teoria dela e também não me pergunta quais são as minhas estrelas.

Há respeito entre nós.

Eu sei quais as estrelas dela que são minhas. Todas as vezes que a vou deitar eu mando beijos para o tecto e juro que tento muito acreditar que elas chegam ao destino, por vezes, em dias mais difíceis, tento até sentir o calor do beijo que já não recebo há tempo demais.

Sabem que mais?

Ele chega sempre, já não me cheira a alfazema nem a terra molhada, cheira-me a cria, cheira-me à minha cria.

Está tudo lá, o que era deles, o que é meu e o que vive nela e isto, isto é só bonito!