Carta aberta à educadora da minha cria.

julho 10, 2020

Esta carta terá de ser partilhada pelas suas auxiliares e todos os outros colos que teve até lhe chegar às mãos.

Todos nós pais, principalmente os de primeiro filho, sabemos o drama que é encontrar uma creche onde os deixar, não falo dos valores e condições e nem das vagas existentes ou não, falo da constante luta interior entre o querer dar-lhes o melhor e sentir que o melhor somos nós, mas praticamente todos nós tivemos de fazer essa escolha, passar por aquela sensação de abandono e superar, melhor ou pior, a perda de todos aqueles momentos importantes na vida deles, as pequenas conquistas, o dia-a-dia.


Aqui está ela, no primeiro dia de escola (sim, chamem-lhe o que quiserem, aqui em casa é escola), tinha quase 9 meses e íamos deixar a nossa filha com desconhecidos, acho que não preciso explicar a sensação pois não?
Parece que foi há 3 séculos mas na verdade foi "no outro dia".
Ficou uma manhã, no dia seguinte a tarde e era suposto continuar assim por uma semana mais ao fim do 3 dia disseram-nos que se quiséssemos a poderíamos deixar o dia todo porque não tinha sido drama nenhum para ela, o que nós já tínhamos reparado, pior ficávamos nós.
A minha filha passou a chegar a casa a cheirar a outra casa.
Eu não sabia se chorava ou não, não estava lá para ver, só podia acreditar no que me diziam e eu acreditava porque ela nunca me ficou a chorar e morria de amor por aquelas mães que agora cuidavam dela, que a alimentavam, que lhe davam colo, que lhe mudavam as fraldas.

Nunca ficou a chorar assim como nunca me chegou a casa com fome ou o rabo assado.
Num piscar de olhos começou a andar e a partida para a próxima valência foi inevitável.




Levei-a pela mão para uma nova sala, que ela já conhecia mas eu não, ia feliz com o bibe novo mas sempre a olhar para quem cuidara dela até ali, alias, enquanto esteve nesse piso fez sempre questão de lhes ir dar um olá quando a íamos buscar.

Sinceramente, não me lembro da primeira vez que vi a educadora da minha filha, o foco não era nela, não sabia, como ainda não sei, lidar com estas conquistas da minha filha, talvez por a achar filha única, o que sei, com toda a certeza é que tivemos muita sorte com a educadora que nos saiu na rifa e eu não tenho hoje, como acho que nunca terei, as palavras certas para lhe agradecer tudo o quanto fez por ela como criança e por nós como pais, porém, vou tentar, é óptimo que isto seja uma carta porque neste momento estou aqui a chorar baba e ranho, a que não irei chorar hoje e que já se tornou o gozo de toda uma tribo, cá vai:

Cara Educadora,

Nunca em momento algum tive medo de deixar a minha filha nessa escola, acho que isto só por si diz muito mas eu passo a explicar. Desde que a minha filha fala (e nós sabemos que bem antes disso) ela me diz "a minha Liana", como diz "a minha mamã", o mesmo carinho, a mesma noção de cuidado e conforto que uma criança procura num colo que sabe que é seu e que é certo, isto que me poderia ter causado algum ciúme encheu-me de despreocupação e segurança.
Sei bem que os primeiros passos dela foram convosco, assim como as primeiras palavras, mas vocês nunca nos tiraram a emoção de estarmos lá na primeira vez, obrigada por isso.
Obrigada por esta viagem ter sido sempre inclusiva, por os ter defendido sempre, por ter pedido para esta tribo mais do que era suposto terem, deve haver muito poucos miúdos a ter tido em tão tenra idade tantos passeios e experiências no exterior quanto estes pequenos e nós pais sempre lá estivemos mesmo sem estar, quando eles chegavam a casa nós sabíamos o que perguntar, sabíamos o que tinham aprendido e isso para ela era mágico, até hoje acha que o pai tem câmaras na escola, mesmo que nunca nos contasse nada por ela mesma, um bocado na base de "o que se passa na escola fica na escola".
Obrigada por me acalmar a consciência com a esta filha que em casa não come fruta, nem sopa, bom, nada do que devia!
Obrigada por lhe terem incutido o espírito de equipa, são 23 meninos que sabem uns dos outros, que se preocupam, que querem saber se os outros estão bem, que se sabem defender e isto é mérito exclusivo vosso e creio que um pouco raro hoje em dia.

Assim como é mérito vosso que ela saiba contar, números e estórias, rimar, somar e dividir palavras mas isso era o que qualquer pai espera de uma escola, certo?

O que um pai não espera é que a sua filha a meio das férias peça para fazer um filme para dizer à educadora que está tudo bem e que viu e fez isto e o outro. Não espera que a miúda chegue a casa cheia de ciúmes porque conheceu o filho da educadora. Não espera que ela se preocupe por dias e dias com a educadora que por azar viu dentro de uma ambulância e que, ainda que meia ligada às máquinas, perante a visão da criança, se ergue, lhe faz um fixe e diz que está bem. Não estava nada e eu liguei umas quantas vezes para a escola só para garantir que ia ficar mesmo bem.
Não esperava também que ela me fosse perguntar antes de ir para a cama quem são os anjos que guardam as professoras porque o da "minha Isabel" está mesmo a precisar de um ralhete porque ela nunca mais fica boa e volta para eles.
Não espera que ela peça um convite da festa de aniversário para as duas e que agora, depois de perceber que lhes vai sair das asas, fique contente porque agora elas já vão puder vir.
Não espera ouvir os "mas a Liliana não faz assim mãe", obviamente que eu é que estava a fazer errado mesmo que fosse dar o mesmo resultado, sempre.

Poderia ficar aqui eternamente com isto.

A minha filha nunca me deu problemas na escola e o mérito não é nosso, o mérito é delas, das pessoas que passaram mais horas por dia com ela do que nós. Se é o trabalho delas?

É sim!

Mas nem todos os profissionais são bons, nem todos se dedicam, nem todos conseguem ou querem ou sabem como estar a par connosco nisto que é educar uma criança e nós tivemos a sorte de nos calhar uma na rifa que em muitos momentos conseguiu estar um pouco mais acima do que nós.

Elas vão dizer isso mesmo, que não fizeram mais do que a obrigação delas mas é mentira, não se deixem enganar. 

Numa reunião ela disse algo como "vocês não me façam isso de não ter mais filhos" como se fosse um ultimato para não a abandonarmos e pessoas, se houve vez que essa conversa me fez sentido foi essa porque a fazer era para ela que mandaria a cria e ela acompanha as crianças até saírem da escola e eu estou a ficar cota e a ser teria de ser agora, para entrar agora, vejam a loucura!!!

Nem vos vou falar na paciência que teve connosco, pais que levaram sempre a miúda a passar da hora, que se esqueceram umas quantas vezes da mochila da piscina, do papel assinado para a visita, de pagar a visita a tempo, and so on, e nunca, nun-ca lhe vimos má cara (bem a merecemos).

Claro que como paga parece-me que éramos dos primeiros da lista de pais para tudo quanto fosse festa de natal, cantámos, fomos Maria e José (pari Jesus em palco e tudo), elfos com direito a fatiota composta, coreografias e ai de nós que faltássemos a um ensaio ou saíssemos do ritmo, aquele olhar é forte e definitivamente o meu não funciona da mesma forma.

Soube sempre bem ouvir que a miúda ia bem na aprendizagem mas melhor que isso foi sentir que sempre fomos apoiados e compreendidos nas nossas preocupações, por isso também estaremos sempre gratos.

Para fim, confesso aqui uma coisa. Para além da constante dúvida no caminho a seguir, agora sim tenho medo, tenho medo da próxima rifa, estamos muito mas muito mal habituados, tenho medo de a próxima professora não seja tão compreensiva e dedicada, tenho medo que as próximas auxiliares não sejam tão queridas e amorosas, tenho medo que a próxima escola não a saiba acolher como esta fez, caramba!!

Quero dizer-vos a todas vocês que lhe deram colo quando eu não pode, que lhe espetaram com o ben-u-ron sempre que os dentes davam de si, todas as que brincaram mais do que nós e até à bandida da cozinheira que cozinha melhor que nós os dois juntos o seguinte:

Naqueles dias em que acordarem sem ânimo e sem coragem para mais um dia de trabalho, aqueles dias em que a vida pessoal se tornam mais triste, em que duvidam do vosso valor, lembrem-se que algures no tempo houve uma Carlota e voltem aqui para ler isto que me sai do coração e não poderia ser mais sincero do que está a ser. Perdoem-nos se um dia ela se tornar numa adolescente metida a besta e passar por vocês sem parar, a culpa não foi vossa com toda a certeza e tenham a certeza do seguinte, nunca, jamais nos iremos esquecer dos anos que passamos juntos na luta para lhe dar os melhores pilares e um dia quando ela revolucionar o mundo (sim, sim, isto vai acontecer) vocês estarão lá a par connosco para assistir de primeira bancada mesmo que fisicamente não o possam fazer porque nós pais, não somos nada sem a aldeia que criou.

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