Foi como plantar uma flor. Quando nascer terá espinhos mas será a flor mais formosa e cheirosa de todo o sempre.

junho 15, 2019

Faz hoje um ano que plantei a minha flor.
Faz hoje um ano que li não o maior mas um dos mais sofridos textos da minha vida.
Faz hoje um ano que por volta das 9h30 me sentei na beira da cama com um nó na garganta e uma necessidade extrema de expressar o que o meu cérebro pensava tão rapidamente que a boca não conseguia acompanhar.
Escrevi num caderno, novo, a estrear, sem sequer perceber a ironia que era iniciar este capítulo da minha vida pós avós num "livro" em branco.
Escrevi entre arranques de choro e um ataque de ansiedade quase a rebentar.
No dia do funeral do meu avô não me cheguei à frente porque ela me disse que não iria aguentar que o fizesse e prometi que no dela não lhes falharia.
Faz hoje um ano que eu li o que me ia na alma, chorei e fiz chorar mas sai de lá limpa.
Faz hoje um ano que li isto:



A minha avó morreu?
É a pergunta que tenho feito a mim mesma desde ontem.
Ela morreu e não era só minha avó apesar de eu ser a primeira e única neta de sangue. Ela morreu e deixou uma família enorme de pessoas, uma família do coração, cheia de netos, filhos, sobrinhos, bisnetos, amigos, ela e a sua forma de ser tinha uma família incrível, que ela formou com afinco.
A minha avó era a primeira feminista que eu conheci, criou mulheres para serem fortes e indomáveis e homens para serem companheiros e carinhosos, à semelhança da relação que tinha com o meu avô.
Estes dois são os pilares da minha criação e do que nós netos somos hoje. A minha avó tinha a 2ª classe e o meu avô pouco mais, no entanto ensinaram-nos os valores mais importantes de todos, ensinaram a importância da humildade e o valor da verdade, ensinaram que antes de comer há sempre espaço para mais um à mesa, respeitavam as nossas crenças e decisões porque o respeito é coisa mutua, que não se deve pedir sem que se dê, ensinaram-nos a ter fé nos outros e a acreditar em nós mesmo porque a fé alimenta a alma e porque nós temos o valor que acreditamos ter. Ele ensinou-me a ser agradecida pelo que tenho e a lutar pelo que quero, a sentir-me confortável no silêncio, a gostar das palavras mesmo quando são poucas, a plantar, a colher e a dar sem pedir em troca. Ela ensinou-me a cozinhar, a costurar, a amar uma mesa cheia, como poupar e gastar, como amar um homem que nos ame e também como ralhar com ele sem que ele se queira ir embora. É impossível lembrar um sem o outro, eles eram um puzzle de duas peças e ainda assim quando ele morreu ela ensinou-me como renascer da cinza que é um amor perdido e que recordar as coisas boas, rir com elas até chorar são as únicas lágrimas que devemos chorar por pessoas como ele e como ela.
Podia dizer-vos que me dói a ausência deles, que o silêncio ao entrar em casa que será sempre deles me parte o coração em mil. Sei que vou acabar por me esquecer do som da voz dela, do cheiro exacto, do quente do colo mas ainda assim cada bocadinho de tristeza que isso me traz não se coloca em lado nenhum comparado com tudo o resto que me deixa.
Não nos vestimos de preto hoje apesar de ser suposto, porque o que os outros pensam não importa e a presença dela nas nossas vidas era um arco-íris.
Não vou ficar a moer na dor dos últimos dias porque ela me mostrou o que é ter força e com toda a certeza não a vou deixar morrer para sempre porque só morre para sempre quem não é lembrado.
A minha filha planta feijões com o meu pai porque a mãe dela plantava com o bivô, que ela nem conheceu e um dia vai cortar e coser uma saia como a mãe fazia com a bivó e se depender de mim os meus netos farão o mesmo.
Não é fácil deixar um legado deste, não será fácil mantê-lo mas tentar não custa, certo?
Ela e a sua fé inabalável e tantas vezes tentada faz-me hoje desejar que exista sim o céu, que ontem o Máximino a tenha ido buscar à porta e que estejam agora a pôr a conversa em dia.
Os meus pilares ruíram, a minha casa tremeu, vai precisar de algumas reparações mas vai continuar firme e lá dentro vive tudo o que eles foram, tudo o que sou, tudo o que nos ensinaram a ser.
Hoje é o fim de uma era, a melhor de todas, mas hoje não me visto de preto, hoje não lamento a perda, hoje agradeço a sorte que tive em ser uma das netas dos melhores avós do mundo, hoje comemoro por todo o tempo que tive com eles e agradeço tudo o que são para mim.

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